domingo, 8 de outubro de 2017

O monstro comedor de corações.

Em uma montanha morava um monstro.

Ele tinha nascido como um ser humano, igual à todos os outros. Mas bem cedo ele foi atacado por outros monstros e seu coração foi roubado. Portanto, ele decidiu que faria o mesmo em sua vida.

De noite ele descia a montanha e procurava pessoas para seduzir e roubar seus corações.

Primeiro ele sentia o cheiro do desejo mais intimo da vitima e então se fantasiava do mesmo.

Suas vitimas em geral eram pescadores que varavam a noite tentando fazer uma pescaria extra para sustentar suas famílias, viajantes que não quiseram esperar o sol nascer para continuar suas viagens, ou qualquer um que estivesse por ai sem qualquer proteção.

Um certo dia o monstro tinha se alimentado de dez corações em uma só noite, então ele ficou satisfeito e foi para a praia descansar seu barrigão.

Sem que ele percebesse, ele tinha dormido na areia e ao acordar viu um garoto pintando um quadro.

Rapidamente ele se escondeu e ficou observando.

Era um menino gordinho que aparentemente adorava desenhar. Ele pintava tudo o que via. Os pescadores, o mar, as gaivotas. Tudo de uma forma diferente. Tudo com muita cor.

Então o monstro decidiu depois de algumas horas se aproximar do garoto. Sentiu o cheiro do desejo mais intimo dele e se disfarçou.

- Ola - Disse o monstro transfigurado em uma garota linda de cabelos coloridos.

- Oh, ola, como vai? - Respondeu o garotinho com muita alegria.

O garotinho imediatamente a viu como uma possível amiga.

- O que você ta fazendo? - Perguntou o monstro.

- Estou pintando conchinhas, você gosta? - Perguntou o menino.

- ah gosto muito... - mentiu o monstro.

Então eles ficaram a tarde toda conversando sobre tudo. O monstro, disfarçadamente, falava sobre a montanha. O menino perguntava mais sobre sua vida, mas ele não se abria de jeito nenhum. Só depois de muita conversa que o monstro começou a falar sobre o que ele tinha sofrido na infância, como roubaram sua inocência e seu coração.

- Tudo bem, eu estou aqui. Podemos ser amigos, vou cuidar de você! - Sugeriu o garoto.

O monstro em forma de garota, começou a chorar e aceitou a ajuda.

Eles dormiram ali mesmo na praia.

O monstro se sentiu estranho, tinha se efetuado ao garoto, mas ele ainda tinha fome. Ele começou a perceber que seus disfarce de menina estava se tornando real demais. Ao lado do garoto, ele se sentia feliz, pela primeira vez na vida amado e estava voltando a ser o que um dia fora, antes de ter seu coração roubado. Mas ainda sim sua vontade falou mais alto. Ele podia roubar qualquer outro coração, ele era bom nisso. Mas ele queria o do garoto, pois aquele era puro, assim como um dia o seu fora. Por isso no calar da noite ele fugiu com o coração do garoto.

Quando o garoto acordou, deu pela falta do monstro. Ficou olhando o mar por alguns minutos. Até que percebeu que ouvia o som do mar, mas não o do seu coração. Ele ficou desesperado! Procurou em baixo das pedras, mergulhou no mar, foi nos ninhos das gaivotas e nada.

Até que ele decidiu perguntar para os pescadores que também tiveram seus corações roubados.

- Moços, meu coração foi roubado, me ajudem! Onde ele esta? Onde o monstro mora?

Os pescadores deram risada. Um deles advertiu, zombando do menino.

- Moleque burro, dê adeus ao seu coração. Quando o monstro vai para a montanha, ninguém consegue ir atrás dele, e se vai, morre tentando. Só ele conhece a montanha! E você jamais conseguiria reconhecer ele na forma de monstro.

O garoto caiu de joelhos. Ele chorou muito. Chorou até que lhe faltassem lagrimas e doessem os olhos. As pessoas passavam e riam dele.

O menino correu para a montanha e começou a gritar desesperado.

- Senhor monstro! Senhor monstro! Devolve meu coração... eu preciso dele... eu confiei em você.

O monstro mesmo ouvindo o clamor do garoto, se fingiu de surdo.

- Por favor... volta com o meu coração... eu preciso dele para viver... Eu também gosto de você, quero ser seu amigo...

O menino percebeu que o monstro estava lá, mas não iria devolver seu coração.

Então ele sentiu vontade de ter raiva do monstro, de treinar muito, descobrir onde o monstro morava e ir roubar o coração do monstro. O garoto sentiu suas mãos arderem, seus olhos doerem, seu cérebro parecia que ia explodir. Ele sentiu seus dentes aumentando de tamanho e suas unhas ficarem pontiagudas.

Mas... ele sabia que não era esse o caminho que ele deveria percorrer. Embora o monstro tivesse roubado seu coração, o garoto sentia que algo bom, provindo de todos os quadros e coisas lindas que ele pintara, ainda existiam dentro dele. Aos poucos ele começou a voltar ao normal e se acalmar.

Ele entendeu que perderia muito tempo apenas caçando o monstro e quem sabe um dia olhasse nos olhos dele e desferisse um único golpe tirando a vida do monstro, mas para que? O monstro já era miserável por si só, passaria o resto do seus dias roubando corações e jamais teria amor.

Por isso o garoto voltou para a praia, pegou seus papeis e fez um desenho. arrancou a folha e colou em seu peito.

Era um coração. Lindo. Pintado com tudo de bom que tem nessa vida.

Ali mesmo ele começou a fazer vários desenhos. E feliz da vida passava seus dias desenhando cada vez melhor.

As pessoas que tiveram seus corações também roubados começaram a se aproximar. Então uma velha tomou a iniciativa.

- Ei garotinho, você teve seu coração roubado?

- Sim!

- Mas... você não ta triste?

- Não!

- O que é isso no seu peito?

- Meu coração!

- Mas esse é de mentira!

- Eu sei, mas é ele que eu tenho agora e me sinto muito feliz!

As pessoas começaram a olhar espantadas enquanto ele pintava alegremente o mar.

- Ei... pode me dar um desse também?

- Pode dividir conosco?

- Desculpa, mas esse é só meu. Mas eu posso ensinar vocês a fazer um também.

E assim aconteceu. Ele ensinou aquelas pessoas a fazerem seus próprios corações. Esses eram do jeito que elas queriam. Mais fortes, vigorosos e amorosos.

Então aquela cidade pegou aquele habito, em poucas semanas. O de desenhar o próprio coração.

O monstro devorara o coração do garoto em uma só mordida e já estava com fome. Ele desceu a montanha e procurou vitimas. Mas todas as pessoas que ele seduzia, ele roubava um coração estranho... De papel e tinta...

Com o tempo o monstro foi ficando fraco, pois não conseguia devorar o coração de mais ninguém. Então ele lembrou do garotinho, o ultimo coração que ele devorou e foi atrás dele.

- Ei... garotinho...

O menino estava pintando mais um de seus lindos quadros.

- Ah, olá seu monstro! Em que posso ajuda - lo?

- Eu... preciso de um coração...

- Não bastou o meu?

- Bastou, mas eu preciso de mais...

- Desculpa, não posso te ajudar.

Então o monstro viu que o garotinho tinha um coração pintado em seu peito. O monstro percebeu que naquele dia em que roubou o coração do garoto, poderia ter feito diferente. Poderia ter parado de ser teimoso e aceitado a ajuda do garoto, pois ali estava a oportunidade de mudar. Mas ele optou por seus instintos e fez a maldade com o garoto.

Depois de refletir sobre isso, ele voltou para a montanha e ali ficou, sozinho. Pois era isso o que restava para ele. Ele ainda encontrou pessoas com o coração desprotegido, mas ele não conseguia mais roubar, pois o coração do garoto começou a fazer indigestão e sua barriga doía muito.

Dias depois quando alguns aventureiros escalaram a montanha, encontraram o monstro morto ao pé de uma arvore, com um coração pintado em seu peito.

Novos monstros apareceram tentando roubar o coração das pessoas, de outras maneiras, em cidades vizinhas. Mas naquela cidade isso não acontecia. Porque as pessoas tinham aprendido a pintar seus próprios corações com as tintas mais vivas e lindas que existiam.

O garotinho satisfeito, largou os pinceis na areia e voltou a sua aparência original. Se transformou em um dragão que voou pelos céus em busca de novas aventuras. Na areia ficou o coração de papel. Pois o coração do dragão queima como fogo e jamais pode ser tirado de si.


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