quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Solidão

 Há muito tempo eu decidi ficar sozinho.


Nessa época, quando tomei essa decisão, eu sofria muito pois eu era abandonado pelas pessoas. Deixado de lado. Trocado. Era muito doloroso e eu não entendia o porquê delas fazerem isso. Quem sabe por conta de suas próprias maldades e preconceitos, já que eu não era muito "comum". (E continuo não sendo. Só aprendi a me disfarçar melhor).

Lembro de um dialogo com uma amiga da época, do qual eu falava para ela que eu iria me isolar. E ela tentava argumentar como todo bom ser humano faria, sem nem mesmo compreender o porque de estar tentando me ajudar. Mas ela tentou, em vão. Eu estava decidido. Inclusive, posteriormente me afastei dela. Cortei todos os laços com outras pessoas. (sinto muito por isso, mas eu não queria mais feri-la).

Os anos foram passando e eu fui aprendendo a estar só e confiar apenas e mim. Sem esperar nada de ninguém. Enfim eu estava só. Internamente só. Ainda que houvessem pessoas ao meu redor, eu estava só por dentro. Já não jogava vídeo game com os amigos. Já não assistia filme com as pessoas. Não tinha interesse em sair com alguém e nem mesmo estar com a família. Eu tinha conseguido cumprir o meu objetivo. Já não esperava companhia.

Mas algumas lacunas não haviam sido preenchidas.

Eu ainda esperava algo das pessoas. Principalmente a consideração. Que aos poucos fui podando em mim essa vontade. Mas o vazio só aumentava e eu não entendia o porque. (Parece claro, agora).

Então eu tive que mergulhar profundamente na solidão para entender o valor da companhia. Acho que ainda hoje eu não valorizo totalmente quem está ao meu lado. Não sei se conseguiria. Mas comecei a olhar através da simplicidade. Quando estou com as pessoas, me faço presente. Não fico pensando em como poderia ser ou o que será num futuro. Se estou com alguém, estou completamente. (Quem sabe essa seja a forma de aproveitar).

Mas quando me aprofundei em mim mesmo, percebi que eu fazia certa seleção e qualidade de pessoas que estavam ao meu lado. Isso me pareceu terrível. Aparentemente, apenas algumas pessoas mereciam a minha companhia. Eu detestei perceber isso em mim. Então imergi ainda mais no vazio e silencio para ver se eu dissipava esses aspectos.

Quando eu estava sozinho e a vontade de estar com as pessoas vinha, eu segurava e aguentava firme. Estava cansado de me humilhar por atenção e companhia. E eu sabia que as pessoas se aproveitavam disso.

Eu vivia como um equilibrista, entre estar com pessoas e estar sem ninguém. Aos poucos isso foi se consolidando em mim, mas eu não pude evitar o isolamento. Com salvos momentos de companhia. Que me cansavam muito.

Pois é, eu fiquei velho. Aos 27 anos eu me cansava em estar perto das pessoas e corria para a minha solidão. Acho que se tornou um lugar confortável e era engraçado como as vezes eu ficava tanto tempo sem falar, que quando ia abrir a boca, me percebia gago.

Hoje eu tenho pessoas o suficiente em minha vida e já não consigo dispor de energia para outras que gostariam de estar. Com o passar do tempo fui adquirindo valores que, infelizmente, me fazem não me aproximar de algumas pessoas que são como vampiros (assim como eu já fui).

Eu meço minha energia diariamente para dispor a quem precisa e desperdiço um bocado com bobagens. Mas eu já não sofro.

Hoje o meu maior desafio é conseguir ficar em silencio. A minha mente barulhenta está sempre fazendo um teatro ou um show. Eu não gosto do tédio. Odeio a sua visita em minha vida. Por isso desperdiço muito tempo tentando não percebe-lo. Este é o meu desafio.

Mas diferente daquele menino que cortou todos os laços para não sofrer mais, uso a sabedoria de minha velhice no auge dos meus 30-2 anos. Para conseguir lidar melhor com esses aspectos da minha humanidade. (Ainda preciso cortar alguns laços).

Somos feitos de luz e sombras. Desconfie de quem te dizer o contrário. Somos o mesmo sofrimento de nossos antepassados, só que agora, por sorte, de barrigas cheias e sem tanto tédio.

Se relacionar é humano. Adquirir sabedoria para saber o quanto vamos fazer isso, é mais humano ainda.

Me desculpem aqueles que eu me afastei e mereciam a minha presença. Mas torço para que consigam lidar com suas próprias solidões. Não mais criando algo ou alguém, externo e fantasioso, para não surtar. Mas tendo responsabilidade e presença. É o que ainda nos falta como seres humanos.

Hoje sou sozinho, mas muito bem acompanhado. Quem sabe eu esteja amadurecendo. Já não cobro das pessoas que me amem ou estejam comigo. Se estiverem, maravilha! Senão, que pena. Assim sigo no deserto, escalando montanhas em busca de ser alguém melhor. Ps. Ah sim, sobre Deus... Aparentemente eu estive conversando com ele essa jornada toda. Eu só não sabia que a voz dele, era a que ecoava em minha mente, todos os dias. E se manifestava, as vezes, através dos meus irmãos. As vezes com o som da chuva, do vento nas arvores, do raiar de sol pela manhã. Do passarinho. Ele me fez companhia, eu só não sabia. E um dia ele me disse seu nome. Todo.